quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014



A minha voz move-se ainda em biliões de bocas, o meu peito
carrega angústias, alegrias, conhecimento e desconhecimentos,
e razões que apesar de tão fundas ainda continuam a doer.
Em mim, quantos nomes, quantos encontros de amor? 
Em mim, quantas árvores, quantas estrelas, quantas aldeias? 

E não sei que idade tenho. Talvez sessenta anos. Talvez 
o tempo do amor. Ou o tempo que falta para salvar o amor.


Joaquim Pessoa

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014


Há coisas bem piores
do que ser sozinho.
mas às vezes levamos décadas
para percebê-lo.
E ainda mais vezes
é demasiado tarde.
E não há nada pior
do que
demasiado tarde.

Charles Bukowsky

domingo, 16 de fevereiro de 2014


Estendi a mão por qualquer coisa inocente
uma pedra, um fio de erva, um milagre
preciso que me digas agora
uma coisa inocente

Não uses palavras
qualquer palavra que me digas há-de doer
pelo menos mil anos
não te prepares, não desejes os detalhes
preciso que docemente o vento
o longínquo e o próximo
espalhe o amor que não teme

Não uses palavras
se me segredas
aquilo que no fundo das nossas mentiras
se tornou uma verdade sublime.

José Tolentino Mendonça


sábado, 15 de fevereiro de 2014


Diz-me por favor onde não estás
em qual lugar posso não te ver,
onde posso dormir sem te lembrar
e onde relembrar sem que me doa.

Diz-me por favor onde posso caminhar
sem encontrar as tuas pegadas,
onde posso correr sem que te veja
e onde descansar com a minha tristeza.

Diz-me por favor qual é o céu
que não tem o calor do teu olhar
e qual é o sol que tem luz apenas
e não a sensação de que me chamas.

Diz-me por favor qual é o lugar
em que não deixaste a tua presença.
Diz-me por favor onde no meu travesseiro
não tem escondida uma lembrança tua.

Diz-me por favor qual é a noite
em que não virás velar meus sonhos.
Que não posso viver porque te espero
e não posso morrer porque te amo.

Jorge Luis Borges


Vamos falar de gente, de pessoas. Existe, por acaso, algo mais espetacular do que gente? Pessoas são um presente!
Algumas vem em embrulho bonito, como os presentes de Natal, Páscoa ou festa de aniversário. Outros, vêm em embalagem comum, há as que ficam machucadas no correio... e de vez em quando, chega uma registrada. São os presentes valiosos. 
Algumas pessoas trazem invólucros fáceis de abrir, enquanto outras é dificílimo, quase impossível tirar a embalagem. É fita durex que não acaba... Mas a embalagem não é presente, porém tantas pessoas se enganam, confundindo a embalagem com o presente. Também você amigo, eu também, somos um presente de Deus para os outros, Você para mim e Eu para Você. 
Triste se fossemos apenas um ‘presente embalagem’: muito bem empacotados e quase sem nada lá dentro! Quando existe um verdadeiro encontro com alguém, no diálogo, na abertura, na fraternidade, deixamos de ser mera embalagem e passamos à categoria dor presentes reais. 
Nos verdadeiros encontros de fraternidade, acontece alguma coisa muito essencial: mutuamente vamos desembrulhando, desempacotando, revelando, no bom sentido, é claro. 
Você já experimentou essa imensa alegria da vida? A alegria profunda que nasce do recôndito de uma alma, quando duas pessoas se encontram, se comunicam, virando presente uma para a outra?
Conteúdo interno é o segredo para quem deseja tornar-se presente aos amigos e não apenas embalagem... a minha embalagem pode não ser tão bonita, mas o conteúdo pode ser um verdadeiro presente...


Mon Liu

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014


Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.

Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.

O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.

Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.

Cecília Meireles

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014



A vida vai depressa e devagar.
Mas a todo momento
penso que posso acabar.

Porque o bem da vida seria ter
mesmo no sofrimento
gosto de prazer.

Já não tenho vontade de falar
senão com árvores, vento,
estrelas, e águas do mar.

E isso pela certeza de saber
que nem ouvem meu lamento
nem me podem responder.


Cecília Meireles

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014


Não tenho pressa. Pressa de quê? 
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos. 
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas, 
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra. 
Não; não sei ter pressa. 
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega - 
Nem um centímetro mais longe. 
Toco só onde toco, não aonde penso. 
Só me posso sentar aonde estou. 
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras, 
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa, 
E vivemos vadios da nossa realidade. 
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui. 

Alberto Caeiro

Cais



Para quem quer 
Se soltar 
Invento o cais
Invento mais 
Que a solidão me dá
Invento lua nova 
A clarear
Invento o amor 
E sei a dor 
De encontrar
Eu queria ser feliz
Invento o mar
Invento em mim 
O sonhador
Para quem quer 
Me seguir 
Eu quero mais
Tenho o caminho 
Do que sempre quis
E um saveiro pronto 
Pra partir
Invento o cais
E sei a vez 
De me lançar

Ronaldo Bastos

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014


(…)

As barcas gritam sobre as águas.
Eu respiro nas quilhas.
Atravesso o amor, respirando.
Como se o pensamento se rompesse com as estrelas
brutas. Encosto a cara às barcas doces.
Barcas macias que gemem
com as pontas da água.
Encosto-me à dureza geral.
Ao sofrimento, à ideia geral das barcas.
Encosto a cara para atravessar o amor.
Faço tudo como quem desejasse cantar,
colocado nas palavras.
Respirando o casco das palavras.
Sua esteira embatente.
Com a cara para o ar nas gotas, nas estrelas.
Colocado no ranger doloroso dos remos,
dos lemes das palavras.

(…)

Herberto Helder

sábado, 8 de fevereiro de 2014



Chove...
Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

José Gomes Ferreira