Rifa-se um coração quase novo. 
Um coração idealista. 
Um coração como poucos. 
Um coração à moda antiga. 
Um coração moleque que insiste 
em pregar peças no seu usuário. 
Rifa-se um coração que na realidade 
está um pouco usado, meio calejado, muito machucado 
e que teima em alimentar sonhos e, cultivar ilusões. 
Um pouco inconseqüente que nunca desiste 
de acreditar nas pessoas. 
Um leviano e precipitado coração 
que acha que Tim Maia 
estava certo quando escreveu... 
"...não quero dinheiro, eu quero amor sincero, 
é isso que eu espero...". 
Um idealista...Um verdadeiro sonhador... 
Rifa-se um coração que nunca aprende. 
Que não endurece, e mantém sempre viva a 
esperança de ser feliz, sendo simples e natural. 
Um coração insensato que comanda o racional 
sendo louco o suficiente para se apaixonar. 
Um furioso suicida que vive procurando 
relações e emoções verdadeiras. 
Rifa-se um coração que insiste em cometer 
sempre os mesmos erros. 
Esse coração que erra, briga, se expõe. 
Perde o juízo por completo em nome 
de causas e paixões. 
Sai do sério e, às vezes revê suas posições 
arrependido de palavras e gestos. 
Este coração tantas vezes incompreendido. 
Tantas vezes provocado. 
Tantas vezes impulsivo. 
Rifa-se este desequilibrado emocional 
que abre sorrisos tão largos que quase dá 
pra engolir as orelhas, mas que 
também arranca lágrimas 
e faz murchar o rosto. 
Um coração para ser alugado, 
ou mesmo utilizado 
por quem gosta de emoções fortes. 
Um órgão abestado indicado apenas para 
quem quer viver intensamente 
contra indicado para os que apenas pretendem 
passar pela vida matando o tempo, 
defendendo-se das emoções. 
Rifa-se um coração tão inocente 
que se mostra sem armaduras 
e deixa louco o seu usuário. 
Um coração que quando parar de bater 
ouvirá o seu usuário dizer 
para São Pedro na hora da prestação de contas: 
"O Senhor pode conferir. Eu fiz tudo certo, 
só errei quando coloquei sentimento. 
Só fiz bobagens e me dei mal 
quando ouvi este louco coração de criança 
que insiste em não endurecer e, 
se recusa a envelhecer" 
Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por 
outro que tenha um pouco mais de juízo. 
Um órgão mais fiel ao seu usuário. 
Um amigo do peito que não maltrate 
tanto o ser que o abriga. 
Um coração que não seja tão inconseqüente. 
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, 
mas que incomoda um bocado. 
Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda 
não foi adotado, provavelmente, por se recusar 
a cultivar ares selvagens ou racionais, 
por não querer perder o estilo. 
Oferece-se um coração vadio, 
sem raça, sem pedigree. 
Um simples coração humano. 
Um impulsivo membro de comportamento 
até meio ultrapassado. 
Um modelo cheio de defeitos que, 
mesmo estando fora do mercado, 
faz questão de não se modernizar, 
mas vez por outra, 
constrange o corpo que o domina. 
Um velho coração que convence 
seu usuário a publicar seus segredos 
e a ter a petulância de se aventurar como poeta 
Clarice Lispector 
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